Love 2” de AIR

      O final da década não tem sido nada fácil para o mais universal dos duos franceses que ao longo dos últimos anos têm vindo a colorir o mundo da retro electrónica.
   Os falhanços comerciais de Talkie Walkie e Pocket Symphony sem dúvida deixaram os AIR na sempre difícil condição de ultrapassados.
   Para isso muito contribuiu a ascensão no panorama musical dos filhos ilegítimos da banda, os JUSTICE e os M83, que pegaram nos restos deixados pelos AIR levando o já velhinho som francês a novas dimensões
   Embora grande parte da crítica tenha novamente descarregado a sua desilusão no mais recente trabalho de Nicolas Godin e Jean-Benoit Dunckel, é impossível não reconhecer em Love 2 os ventos de mudança.
   Este é o primeiro álbum produzido inteiramente pela banda. É também o primeiro a ser gravado no seu próprio estúdio (Atlas Studio).
É por isso um álbum de transição, onde o duo hesita entre os processos familiares e o experimental.
O resultado está a milhas de um Moon Safari ou The Virgin Suicides, mas não será por isso que não existam razões suficientes para esboçar uns quantos sorrisos de alívio ao ouvir Love 2. No entanto que fique registado o aviso, este álbum não é para ouvidos impacientes.

  O  início do álbum é algo vazio. “Do the Joy” e “Love” não trazem nada de novo e “So light is her Footfall” chega a ser doloroso, mau demais para acreditar.
  É só com “Be a Bee” que o trabalho começa a ganhar forma. Ignorando novo interlúdio a evitar, “Missing the light of the Day”, finalmente a banda parece soltar-se do medo que os apagou nos últimos álbuns e avança para algo verdadeiramente novo, uma incursão pelo Jazz com a quase brilhante “Tropical Desease”.
     A bateria do convidado Joey Waronker, ex BECK e REM, oferece novos caminhos amplamente explorados em “Eat my Beat”, deixando um rastro de esperança de que, agora que os AIR já não estão sozinhos no seu género musical, continuam capazes de nos surpreender.


  A utilidade de Love 2 será mesmo essa, uma breve incursão no que poderão vir a ser os AIR muito em breve. Só por isso, e tendo em conta o tempo que levaram até aqui chegar, este álbum tratasse de um sucesso, reservado, mas um sucesso.




"Rudi e Cursi" e o Novo Terceiro Cinema

julho2009

 A crise criativa de Hollywood não se faz sentir mais a sul. Em vez de sequelas intermináveis, na outra América produz-se cinema verdadeiramente novo.   

  Quando os argentinos Fernando Solanas e Octávio Getino se sentaram em 1969 para escrever o bombástico manifesto “ A caminho de um terceiro cinema”, seguramente não calculavam que 30 e muitos anos depois ainda se ouvissem ecos das suas palavras.
   
  O mundo em 1969 era muito diferente e o cinema não era excepção. A “Nouvelle Vague” francesa e a “Counter-Culture” americana provocaram enorme impacto na industria cinematográfica no ocidente, mas no resto do planeta a sétima arte pouco mais era do que um veiculo de propaganda para os inúmeros regimes locais. 
   Com a revolução cubana, abriu-se uma excepção, criando-se espaço para um cinema de inspiração aparentemente marxista, mas igualmente auto crítico.      
   Em 1968, enquanto Paris e Praga ardiam, o cubano Tomás Gutierrez lançava “Memorias do subdesenvolvimento”, o filme que iria lançar um movimento sem igual.    
     
   Impressionados com a obra, Solanas e Getino publicaram o notório manifesto apelando a um cinema anti-imperialista, verdadeiro e poético como forma de libertação, apagando da consciência colectiva toda  a pesada bagagem cultural deixada pelo colonialismo.
  
   Em questão de anos, por todo o continente emergia o “Cinema Novo”, florescendo e expandindo-se a todo o espectro cultural americano, com uma rapidez e eficácia muito pouco latina. 
   Nos anos 80 tudo mudou e o cinema latino-americano entrou em fase de declínio. À medida que o continente se democratizava, a morte prematura do movimento tornou-se inevitável, sendo mesmo virtualmente esquecido pela  história.
 
   1993 voltou a ser o ano zero. O veterano Gutierrez enfrentou o regime cubano com o corajoso “Morangos e Chocolate”, a história de um homossexual em Havana na sua incessante procura pela liberdade, e o delicioso “Como Água para Chocolate”, do mexicano Alfonso Arau, que redefiniu o papel da mulher na história mexicana. 
    Destes dois filmes nasceu o “Novo cinema latino- Americano”, dando lugar a enormes sucessos de bilheteira como “A Central do Brasil”, de Walter Salles, ou “Cidade de Deus”, de Fernando Meireles. 
    Mas é no México que este fenómeno tem mais fulgor.
  
    Recentemente foi criada a “Cha CHa Cha Producciones”, uma produtora independente com o objectivo de elevar o cinema latino ao lugar que merece. Por detrás da organização estão as 3 figuras mais emblemáticas na nova onda. Alfonso Cuarón, Guillermo del Toro e Alejandro Inarritu foram responsáveis por alguns dos filmes mais influentes da história moderna do cinema, como por exemplo  “O Laririnto del Fauno”, “Amores Perros” ou “Y tu Mama Tambien”. Agora criaram o que eles chamam de “o nosso laboratório”.            
   “Rudi e Cursi” é a primeira experiência.
       
   O filme retrata a rápida ascensão de dois irmãos, que em menos de um ano vão de modestos rurais mexicanos a estrelas de futebol, até ao inevitável declínio fruto das suas fraquezas e sonhos irrealistas.          
   À superfície este será talvez uma das obras menos impressionantes vinda das Américas nos últimos anos. Embora se ouçam ecos dos apelos de Solanas e Getino na sátira da corrupta sociedade mexicana formulada pelo realizador Carlos Cuarón, irmão de Alfonso Cuarón, não é na história que o filme assume maiores proporções.
         
   A grande vitória deste filme está na consagração das duas maiores estrelas do cinema latino Americano, Gael Garcia Bernal e Diego Luna. Se Hollywood teve Robert de Niro e Harvey Keitel e se Bollywwod teve Amitabh Bachchan e Shilpa Shetty, chegou a altura do terceiro cinema também desfrutar de um duo sem igual.
         
  Já em 2001, em “Y Tu Mama Tambien”,  notabilizaram-se como uma parelha instintiva. Ao contracenarem juntos de novo em “Rudi e cursi” demonstraram que, tal como o cinema que se faz na América latina, finalmente atingiram uma nova maturidade e versatilidade.
        
  Os dados estão lançados. Só falta saber até onde o “novo” terceiro cinema pode ainda vir chegar.

Mais um verão recheado de Festivais

julho2009
 
Longe dos tempos dos grandes cartazes, 2009 promete não deixar de trazer a Portugal um pouco da melhor musica que se faz no mundo inteiro.
  

   Dez anos atrás contavam-se os festivais com os dedos de uma só mão. Hoje é raro o distrito do país que não conta com um festival de grandes ou medias dimensões.
 
   O mais concorrido será sem dúvida o Optimus Alive, que de 9 a 11 de Julho traz a Oeiras bandas como os Metálica, Slipknot, Prodigy, Placebo e os Black Eyed Peas. Para aqueles dispostos a dispensar 90€ podem ainda desfrutar da oportunidade de ver Chris Cornel, uma das grandes vozes da era do Grunge, a actuar a solo.
  
   O festival Sudoeste, na Zambujeira do Mar, que terá lugar entre os dias 5 e 9 de Agosto, tem vindo a ter dificuldade em completar o cartaz. Mesmo assim conseguiram dar o golpe do ano ao contratar os recém-reunidos Faith No More para um concerto histórico dia 8 de Agosto.
   
   Paredes de Coura volta a ser dos eventos mais baratos no mercado, com bilhetes a 70€, uma pechincha para os grandes festivais. Conta já com presença assegurada dos SupergrassFranz Ferdinand. O melhor está reservado para a noite de 31 de Julho que se espera ser de arromba com a subida ao palco da sensual canadiana Peaches e os míticos Nine Inch Nails de Trent Reznor.
    
   De 16 a 18 de Julho a praia do Cabedelo, em Vila Nova de Gaia, volta a encher-se com um cartaz que promete cobrir o douro de areia. Os britânicos Lamb, Primal Scream e Kaiser Chiefs abrem o festival, substituídos no dia seguinte pela artilharia alemã dos Guano Apes e os velhinhos Scorpions.
    
    Para aqueles apreciadores de sons mais rudes o destino é só um. Há muito que se esperava o regresso do festival da Ilha do Ermal, em Viera do Minho. E regressa em grande com os brasileiros Sepultura e Angra e os portuguesíssimos Ramp.
    
    O festival que mais tem vindo a crescer é sem margem para duvida o Festival de Musicas do Mundo de Sines, que aos poucos e poucos se destaca mesmo a nível internacional. Os milhares que se deslocarão à costa vicentina entre os dias 21 a 25 de Julho serão galardoados com um cartaz de luxo. Os sons africanos do angolano Wyza e do veterano Victor Deme misturam-se com Janita Salomé e Trilhos Novos – Caminhos da guitarra portuguesa. Extraordinária será seguramente a noite de 25 de Julho quando subirem ao palco os finlandeses Alamaailman Vasarat, um cocktail de som que vai do folk nórdico ao punk, o mítico blues da guitarra de James “Blood” Ulmer e o inevitável Lee Sctrach Perry, deus do Reggae. Os bilhetes vão de 5 a 10€.
    
    Para terminar, como reza a tradição, o tsunami de festivais termina com as habituais Noites Ritual, nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto, que este ano tem entrada gratuita. Entre outros, dia 28 e 29 de Agosto, entram em cena o Rock and Crawl dos bracarenses Mão Morta, o intimo som dos Dead Combo e a doce voz de Deolinda.    
    A banda sonora do verão de 2009 promete preencher todos os gostos, vontades e necessidade.
 

Cannes
30/05/2009

Português distinguido em Cannes

O jovem português João Salaviza ganhou a Palma de Ouro para melhor curta-metragem logo com a sua primeira produção, “Arena”.
“É sempre bom ver o nosso trabalho reconhecido, especialmente quando eu sou novo e sendo esta a minha primeira curta-metragem depois da universidade”, disse Salaviza após ter recebido o premio.
Desde 2004, com a atribuição de um premio especial de carreira para Manuel de Oliveira, que o cinema Português não era reconhecido no famoso festival no sul de França.
“Arena” é a um ensaio sobre o dilema de um jovem sob prisão domiciliária que se vê obrigado a violar a lei de forma a fazer um ajuste de contas com um grupo de marginais do seu bairro.
Depois deste premio, João Salaviza espera que a distinção abra mais portas no estrangeiro para o cinema português. Disse à agência Lusa, “Eu espero que a Palma de Ouro ajude a chamar um bocadinho a atenção para a qualidade do meu filme – e não só do meu, mas de outros filmes portugueses que estiveram aqui em Cannes”.
Para já “Arena” ainda não tem contrato de distribuição em Portugal, mas o autor espera que muito em breve o filme esteja em exibição em salas de cinema um pouco por todo o país.


Violência, terror e sangue...e no fim ganhou o mais óbvio

Em 2009 o festival internacional de Cannes foi mais discreto. O cinema voltou a representar o papel principal e os velhos nomes corresponderam em grande estilo.
Se no tapete vermelho faltou o glamour do passado, na tela o cinema foi rei.
Não era difícil de antever. Na lista de filmes em competição encontravam-se alguns dos maiores nomes do cinema mundial, incluindo os já galardoados Lars Von Trier, Quentin Tarantino, Pedro Almodôvar e Ken Loach.
O filme mais badalado foi sem dúvida o há já muito esperado “Inglorious Basterds” de Tarantino, que desta feita reescreveu a história da segunda grande guerra de forma a recriar o banho de sangue do costume. Embora aclamado pela crítica, o júri apenas recompensou a actuação de Christoph Waltz, com o premiou de melhor actor.
Outro dos grandes favoritos, era “Anticristo” do dinamarquês Lars Von Trier, que causou grande furor graças a uma cena de auto mutilação genital, protagonizada por Charlotte Geinsbourg, que venceu o premio de melhor actriz.
O filipino Brillante Mendoza recebeu o premio de melhor realizador com “kinatay”, aparentemente outra obra difícil de digerir.
Mas o grande vencedor foi o austríaco Michael Haneke que finalmente venceu a Palma de Ouro com “White Ribbon”. Não foi exactamente uma surpresa. Embora a imprensa o tenha descrito como o trabalho mais banal de Haneke, há muito que se esperava ver o cineasta reconhecido em Cannes.
Fora da lista dos premiados ficaram, entre outros, Almodôvar e o seu novo filme “Los abrazos rotos”; “Looking for Eric” de Ken Loach; “Agora” de Alejandro Amenabar; “Taking woodstock” de Ang Lee; e “Bright Star” de Jane Campion.
Dos filmes que não estavam em competição é de salientar a estreia do mais recente trabalho do ex-Monthy Python Terry Gilliam e último filme de Heath Ledger, “The Imaginarium of doctour Parnassus”.

Vicky Cristina Barcelona
02/03/09

  Apesar de rodeado de grande controvérsia woody allen relembra-nos que o simples também sabe ser complexo

  Pela quarta vez Woody Allen escreve e realiza um filme fora dos Estados Unidos, trocando-o pelo continente que mais devoção lhe oferece. Depois de 3 filmes rodados em Londres, Barcelona foi uma opção em nada acidental
  Mesmo antes do início das filmagens a produção já preenchia manchetes em Espanha. Vendo em Allen um veículo de promoção turística, a câmara de Barcelona e o Governo Autónomo da Catalunha ofereceu de imediato 1 milhão de euros, cerca de 10% do orçamento total. Tal iniciativa ecoou de imediato pelos círculos artísticos catalães que se mostraram indignados com o brutal investimento num cineasta que facilmente encontraria o financiamento noutras paragens.
   O jornal catalão El Periódico conduziu mesmo uma sondagem onde 75% dos participantes consideraram 1 milhão de euros uma quantia excessiva, principalmente tendo em conta o orçamento médio para uma produção espanhola.
   Seja como for a controvérsia não chegou a cobrar sono a Allen, que no seu diário de produção ironizou escrevendo, “Recebi oferta para escrever e realizar um filme em Barcelona. Muita atenção. Espanha tem muito sol e eu fico com sardas. O dinheiro não é muito, mas o agente conseguiu-me 1 décimo de 1% de tudo o que o filme lucrar acima de 400 milhões de dólares, depois de equilibrar as contas”.
   Mais importante é o filme marcar o regresso do génio às luzes da ribalta, depois dos falhanços comerciais que foram Scoop e O sonho de Cassandra. Pode parecer normal, para um realizador que produz em média 1 filme por ano desde a década de 70, no entanto, para Allen, já com mais de 70 anos, muito insucesso consecutivo pode ser fatal.
   Mas o nova iorquino não podia ter respondido da melhor forma.
   Vicky Cristina Barcelona é provavelmente o seu trabalho mais lúcido da década. Divagando por uma narrativa relaxada e alegórica, a história retrata um verão quente de duas turistas americanas que escolhem Barcelona para satisfazer curiosidades.
Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarllet Johansson) são amigas de longa data, embora com personalidades opostas e em constante conflito. A primeira, organizada, metódica e apaixonada pela obra de Gaudi, e a segunda anárquica e apaixonada simplesmente pela vontade de novas experiências. Ao encontrarem-se com o problemático artista Juan António (Javier Bardem) embarcam num triângulo amoroso que rapidamente se completa com a chegada da ex-mulher do pintor, Maria Helena (Penélope Cruz), pela qual Juan António nutre um grande amor incompatível.
  A história, que só faria sentido no universo de Woody Allen, reduz-se facilmente, traduzindo-se num filme longe das gargalhadas de outros tempos, mas sem perder a neurose social que tanto associamos ao trabalho do autor.
  O poder do filme abstrai-se de certa forma do método de Allen pelas imponentes performances dos atores, que por si só fazem o filme. Javier
Bardem, tão viril como em Jamon Jamom e tão romântico como Mar Adentro, mostra-nos uma nova sensibilidade feminina. Johansson reafirma a ideia de que com woody Allen assume novas potencialidades. Rebecca Hall demonstra que apesar do anonimato é uma atriz de enorme maturidade. Mas mais significativo é a prestação de Penélope Cruz, que como a mulher histérica e hilariante de Bardem, faz-nos pensar que a Penélope de Almodôvar afinal também pode existir em Hollywood, ao contrário do que até à pouco tempo parecia possível.
  O resultado final é um filme interessante embora longe de ser explosivo, ao contrário do diário de produção de Allen, esse sim, a prova final de que a veia cómica de um dos últimos “autores” do cinema moderno está mais viva do que nunca.