Petrolgate - Corrupção como nunca antes visto

26/06/09

 O sistema judicial nigeriano está em alvoroço. A contagem decrescente para a publicação do relatório da investigação ao caso de suborno de oficiais por parte da gigante Halliburton já começou. Com ou sem ajuda das autoridades ocidentais, o “PetrolGate” promete ser o mais controverso caso de corrupção de toda uma geração.  


    A mensagem final da última cimeira do G20 não podia ter sido mais clara. Os paraísos fiscais tinham os dias contados e a luta contra a corrupção era a prioridade dos governos dos 20.  
    Aparentemente não será bem assim.  
    Na semana passada Mike Okiro, inspector geral da policia nigériana e líder do painel que investiga o escândalo de subornos da Halliburton no valor de 190 milhões de dólares, mostrou-se indignado com o comportamento das autoridades norte-americanas.  
    Uma fonte próxima do painel disse recentemente à African News, “Fizemos todos os contactos necessários com as autoridades americanas à mais de 4 semanas. Nós sabemos que eles têm a informação de que nós precisamos para desembaraçar os nós deste caso. Inicialmente pediram-nos duas semanas. Agora dizem que o tempo não é suficiente e que precisam de mais umas quantas semanas. Eles estão a tentar frustrar o painel. Mas nós já estamos a procurar alternativas. É imperativo acabar o nosso trabalho na data pré-estabelecida.”  
    Okiro acredita que existe uma campanha orquestrada, por figuras influentes no panorama politico norte-americano, de forma a impedir que o caso acabe em tribunal.  Não será uma acusação descabida tendo em conta que o caso envolve 2 ex-presidentes e uma série de ex-ministros nigerianos e o próprio Dick Cheney, Vice-Presidente da administração Bush.  
   O caso é de tal maneira sensível que não são só os 190 milhões depositados em contas bancárias na Suíça que estão em jogo. A própria autoridade do presidente nigeriano, Umaru Musa Yar´Adua, está a ser severamente posta à prova, depois deste ter tornado o caso num “cavalo de corrida” politico.  Yar´Adua recentemente ordenou à comissão liderada por Okiro a deslocar-se à Suíça de forma a identificar as figuras por detrás das contas suspeitas. Para tal, tem contado com a ajuda da Interpol, que está em alerta máximo para controlar as movimentações dos 6 suspeitos oficiais, incluindo o advogado britânico Jeffrey Tessler e o ex-ministro da energia e petróleo nigeriano, Dan Etete.  
   Igualmente significativo foi a resposta inicial da Alemanha e Grã-Bretanha, que se comprometeram a auxiliar a investigação. Mas recentemente essa ajuda foi posta em causa, com a relutância dos britânicos em extraditar Tessler.   
  Os contornos do caso são únicos e reveladores de uma complexa rede de corrupção.   

  Em 1994 iniciou-se uma batalha pela construção de uma central de gás natural nas margens do delta do Níger, contrato que seria atribuído pela petroleira do estado africano, propriedade do governo nigeriano e da Shell.  
   À frente da corrida estava a companhia M.W. Kellogg, que fora anexada à Dresser Industries em 1988.  
   Para reunirem as condições do contrato, a Kellogg formou uma parceria com a francesa Technip, a italiana Snamprogetti e a Japonesa Gasoline Corp, que juntos fundaram uma só organização, a TSKJ, curiosamente registada na ilha da Madeira.  
   O primeiro sinal de alerta foi dado em Novembro de 1994, altura em que um executivo da TSKJ, Wojciech Chodan, se reuniu com Jeffrey Tessler, em Londres, por este ter óptimas relações com o ditador nigeriano, o General Sani Abacha.     
  Mais tarde foi revelado que dessa reunião ficou decidido o pagamento de cerca de 40 milhões de dólares a Abacha, através de uma companhia de Tessler, a Tri-Star, registada noutro paraíso fiscal, Gibraltar.  
   Em Março de 1995 Tessler é formalmente contratado pela TSKJ,  assinando um contrato que implicava o pagamento de 60 milhões ao advogado e 160 milhões à Tri-Star, directamente depositado em contas bancárias no Mónaco e na Suiça. 
    Em menos de 9 meses a TSKJ ganhou o concurso.  
   A situação assumiu novas proporções em 1998, quando a Halliburton, na altura sob a administração de Dick Cheney, se fundiu com a Dresser industries, lider da TSKJ.  Os subsidiários das duas companhias fundiram-se igualmente, formando a Kellogg, Brown & Root, que passou a ser chefiada por Albert Jack Stanley.   
    Em Março do ano seguinte abriu novo concurso para expandir a central de Gás natural. A TSKJ voltou a ganhar, desta feita assinando um contrato no valor de 1.2 mil milhões de dólares.  

   As alegações de conduta imprópria surgiram só em Outubro de 2003, quando um magistrado francês recebeu uma denuncia de um antigo funcionário da Technip que acusava Tessler de controlar uma rede de influências nas mais altas instâncias do governo nigeriano. Da consequente investigação foi revelado que a Halliburton pagara a Tessler 132 milhões por serviços prestados à companhia e que cerca de 166 milhões tinham sido dispensados pela LNG Serviços, subsidiaria das companhias da TSKJ
    Outro sinal preocupante surgiu em Junho de 2004, quando a Halliburton despediu Albert Jack Stanley, que depois de abandonar a chefia da Kellogg, Brown & Root foi contratado pela Halliburton, por este ter recebido ilegitimamente 5 milhões de dólares de Tessler.    
     Inevitavelmente todas as suspeitas fizeram eco em Abuja, capital da Nigéria, e no verão de 2004 o parlamento nigeriano entrou em acção, convocando David Leaner, director da Halliburton (Cheney abandonara o cargo em 2000 para se juntar a Bush na campanha eleitoral), a prestar declarações.  
    Embora a TSKJ tenha cortado relações com Tessler em Setembro do mesmo ano, já nada podia evitar que a história chegasse às primeiras paginas dos jornais. No mesmo mês o Wall Street journal publicava as notas de ex-funcionários da Kellogg, provando o suborno de oficiais nigerianos em troca da atribuição de contratos milionários.   
    Obrigado a reagir, o parlamento nigeriano criou uma comissão de investigação que concluiu, mesmo sem a cooperação da Halliburton, que Tessler, em nome da TSKJ, pagou 60 milhões em 1995; 37.5 milhões em 1999; 51 milhões em 2001; e 23 milhões em 2002 a uma série de políticos e militares nigerianos.   
   A controversa vitória de Umaru Yar´Adua nas eleições de 2007 gerou nova investigação, com poderes extraordinários e uma agenda extremamente rigorosa. 
  Mike Okiro tem menos de duas semanas para apresentar os resultados da investigação. A quase total ausência de apoio concreto por parte de alguns estados ocidentais é preocupante, principalmente no ambiente de crise que o planeta enfrenta. 
   Se Obama não se prenunciar e acelerar o processo de auxilio às autoridades da nação africana, perde uma rara oportunidade de mostrar que é capaz de verdadeiramente passar das palavras à acção.  Seja como for, com ou sem ajuda do ocidente, daqui a umas semanas as revelações de Okiro serão sem duvida escaldantes.


Albinos perseguidos pela cor da pele
30/05/2009

 Iniciaram-se recentemente uma série de processos-crime contra o tráfico e assassinato de albinos no Burundi e Tanzânia. Com o número de albinos assassinados a crescer semana a semana, vários governos africanos iniciaram uma série de medidas para combater a exterminação de uma significativa parte das suas populações.

Esta semana iniciou-se um dos julgamentos mais aguardados dos últimos tempos em África 11 arguidos vão-se sentar no banco dos réus acusados de homicídio e tráfico de Albinos, ou partes de cadáveres albinos, uma prática cada vez mais comum na África oriental.
A polícia local admite ter fortes indícios de que a comunidade albina esteja a ser perseguida e assassinada para a venda de pedaços dos seus corpos a curandeiros na vizinha Tanzânia.
Curandeiros na região do Lago Victoria acreditam que poções feitas com cabelo, pele, genitais ou membros de albinos podem trazer sorte no amor e negócios.
O caso tem sido alvo de enorme especulação no Burundi, tendo-se tornado rapidamente no mais mediático de sempre.

Os acusados foram capturados em Março, quando tentavam atravessar a fronteira. Na sua posse foram encontrados restos humanos. A procuradora Nicodeme Gahimbare disse na altura à France Press, “Eles traziam ossos consigo, alguns ainda frescos”.
Até Março tinham já sido denunciados cerca de 10 homicídios de albinos no Burundi, mas é na Tanzânia que se regista o maior número, que no mesmo período já ultrapassava os 40.
É na Tanzânia também que têm sido dispensados os maiores esforços para combater a situação. Depois da visita oficial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, o presidente Jakaya Kikwete lançou uma seria de iniciativas sem precedentes de forma a incentivar a população que vive nas margens do lago a denunciar os envolvidos.
Foi desenvolvido um mecanismo de referendo secreto para esse efeito, mas o processo tem vindo a ser amplamente criticado.
“Quando se incita pessoas a acusar os seus vizinhos de tais crimes abre-se uma oportunidade para ajustar contas...Isto não deveria ser feito através de um sufrágio. Isto não é nada mais do que um truque politico para agradar àqueles que dizem que o governo não faz nada para resolver estes crimes”, disse à BBC Edmund Segondo Mvungi, professor de direito na Universidade da capital, Der Es Salem.
O governo de Kikwete também anulou todas as licenças oficiais de curandeiros, mas segundo a imprensa local a medida teve pouco efeito, já que os curandeiros se limitaram a ignorar as ordem de Der Es Salem.
No auge da controvérsia Al-Shymaa Kway-Geer, uma albina de 48 anos, foi nomeada deputa parlamentar e incumbida com a difícil tarefa de elaborar um plano de protecção para os albinos. Entre outras medidas, criou um fundo de apoio medico e legal a todas as vítimas de violência.
Este não é o primeiro caso do género a chegar aos tribunais nos últimos meses. Cerca de 200 indivíduos suspeitos de tráfico de albinos foram presos na Tanzânia e Burundi desde o início do ano, mas até agora apenas 2 foram condenados, levantando suspeitas que altas patentes oficiais possam estar envolvidas no tráfico.

A Associação de Albinos do Burundi (AAB), um grupo que luta pelos direitos dos albinos na região, pediu ajuda imediata ao governo, pois acredita que o país seja alvo principal dos traficantes pela falta de policiamento das fronteiras.
Kazungo Kassim, directora da AAB, disse recentemente em conferência de imprensa, “Pedimos ao governo que duplique os esforços para proteger os albinos, porque o que estamos a testemunhar aqui é uma tentativa planeada de exterminar a comunidade de albinos...Os relatos são horríveis. Crianças arrancadas dos colos dos pais; pais mutilados à frente das famílias. O terror espalhou-se pela comunidade albina. Alguém tem de nos ajudar”.
A Organização Mundial de Saúde diz que 1 em cada 20.000 humanos são albinos, mas em algumas regiões africanas o número é substancialmente maior. Embora não haja números definitivos, acredita-se que só na Tanzânia existam cerca 173 mil.
Outros países da região, como o Malawi, iniciaram já processos de registo de Albinos de maneira a evitar que o fenómeno atravesse as suas fronteiras.
Por toda a região os albinos vivem com medo. Neste momento assiste-se a um êxodo de albinos para as cidades, já que a esmagadora maioria dos casos têm ocorrido em zonas rurais. No entanto, a maioria dos albinos rurais não têm possibilidades financeiras para abandonar as suas colheitas, preferindo alimentar as suas famílias a viver escondidos nos bairros de lata dos grandes centros urbanos.
Os albinos foram sempre perseguidos na África oriental, mas nunca antes tinham ocorrido tantos casos extremos como neste ano.
Ninguém parece encontrar uma razão para a súbita escalada de incidentes violentos contra albinos, mas com o crescente interesse dos governos africanos essa tendência pode não ser irreversível.


Bento XVI “O Controverso”
03/04/09

  O recente comentário do papa Bento XVI sobre o uso do preservativo na prevenção contra sida não é nada mais do que a última de uma longa lista de “gafes” que têm vindo a assombrar os 4 anos da era Ratzinger. Será esta pior do que as outras?

  Ainda no avião a caminho de Yaounde, capital dos Camarões, Bento XVI proferia o mais controverso dos comentários. “ Não se pode resolver este problema (SIDA) com a distribuição de preservativos. Pelo contrário, isso só aumenta o problema”.
  Em menos de 48 horas choveram críticas de praticamente todos os cantos do mundo cristão.
  No entanto, até agora, Bento
XVI não mostrou a menor preocupação. Afinal de contas pouco de novo foi revelado. A posição da igreja católica em relação à contraceção e prevenção de DSTs foi sempre a mesma. Uma total e inequívoca oposição ao uso do preservativo em troca da promoção da abstinência sexual e fidelidade matrimonial.
  Já em 2003 o notório e poderoso Cardeal
Alfonso Lopez Trujillo, entretanto falecido, dizia em entrevista para a BBC, “O vírus da Sida é aproximadamente 450 vezes mais pequeno que um espermatozoide, e um espermatozoide pode facilmente atravessar a rede formada por um preservativo”. Na mesma reportagem ouvia-se o influente arcebispo de Nairobi, Rafael Ndingi Nzeki, dizer que “a sida tem crescido rapidamente por causa da ampla disponibilidade do preservativo”.
  Num continente onde existem mais de 22 milhões de infetados pelo vírus
VHI, o comentário do papa só poderia fazer emergir ferozes críticas.
  Rebecca Hodes, da campanha de ação e tratamento contra a sida na África do Sul, disse, “A sua oposição ao preservativo revela que o dogma religioso é, para ele, mais importante do que a vida dos africanos”.
  Ela Soyemi, do instituto de assuntos internacionais em Londres, escreveu no Guardian, “A última coisa que os africanos precisam é que lhes digam que a religião, a última fonte de esperança para muitos, exige que eles ignorem uma das poucas medidas que eles são capazes de tomar para se salvarem.”
  Desde que assumiu as rédeas do Vaticano a 19 de Abril de 2005 é raro o período em que o primeiro papa do século
XXI não se vê envolvido na mais destabilizadora controvérsia.
  Dias depois da tomada de posse emergiram acusações de que enquanto jovem teria participado ativamente na mocidade hitleriana e no exército alemão durante a segunda guerra. Até certo ponto era uma acusação injusta, pois na Alemanha nazi não havia outra alternativa se não participar.
  Mas desde então cada vez que abre a boca algo de estrondoso acontece.A 12 de Setembro de 2006, numa palestra na universidade de
Regensburg, na Alemanha, disse, “Mostrem-me o que é que o profeta Maomé trouxe de novo e encontrarás só aspetos inumanos, tal como a sua ordem para espalhar a fé pela espada”, citando um texto de 1391 escrito pelo último líder cristão em Constantinopla, o Imperador Manuel II. Um ano depois dos tumultos causados pelas caricaturas do profeta muçulmano, de Teerão a Estocolmo as comunidades islâmicas entraram em alvoroço.
  Um mês depois recusou-se a receber o Dalai Lama, que fazia uma visita histórica ao Vaticano.
  Em Maio de 2007, numa visita ao Brasil, afirmou que acreditava que no século
XV os indígenas estavam “silenciosamente ansiosos” pela chegada da fé cristã ao continente. O “desabafo” levou Hugo Chavez a exigir um pedido de desculpas. No Equador um grupo de indígenas responderam dizendo que “representantes da igreja católica daquela era, salvo raras exceções, foram cúmplices e beneficiários de um dos mais horrendos genocídios de toda a humanidade”.
  Quando pior parecia impossível veio 2009.
  Em Janeiro anulou a ordem de excomunhão de 4 bispos ultra conservadores da sociedade de Pio X. Dias depois, uma televisão sueca transmitia uma entrevista com Richard
williamson, um dos 4 bispos, onde este negava tanto o holocausto como a existência de câmaras de gás nazis. Ratzinger foi obrigado a reconhecer que o caso foi mal ajuizado e os bispos voltaram a ser excomungados.
  Fevereiro foi particularmente doloroso. Primeiro, a nomeação para bispo do austríaco Gerhard Wagner quase gerou um míni revolta assim que vieram a público alguns sermões de Wagner, onde este declarara que a destruição de Nova
Orleans pela tempestade Katrina se devia ao descontentamento divino pelos pecados daquela cidade. Depois, no Brasil, apoiou a excomunhão de uma criança de 9 anos, e a sua mãe, por terem abortado depois do padrasto ter violado a criança (ironicamente ao padrasto nada aconteceu).
  Uma série de acontecimentos e comentários que em nada têm ajudado na propagação da fé no mundo ocidental.
  Mas se no ocidente a perda de fiéis parece ser imparável, em África o caso é diferente. Segundo dados do Vaticano, em 2006, 17% dos africanos já tinham sido batizados, um crescimento considerável quando comparada com a taxa em 1978 que não chegava aos 12%. Mais relevante ainda é que ao contrário do ocidente, onde a grande massa de fiéis se concentra nas faixas etárias mais avançadas, em áfrica são cada vez mais jovens.
 É a nova geração de africanos que mais tem contribuído para o desenvolvimento da família cristã. É também, ironicamente, na geração mais jovem que se registam mais infeções do vírus da sida.
  A oposição ao preservativo por parte de Bento
XVI sem dúvida que muito contribuíra para a propagação da epidemia, principalmente em África onde vivem 2 terços do número global de infetados
  Para além dos Camarões, Bento
XVI foi a Angola, um caso raro no continente em relação à propagação da doença. 27 anos de guerra civil isolaram o país comercialmente, limitando a movimentação das populações tal como do vírus. Mas o recente crescimento económico angolano e a proximidade da vizinha África do Sul, o país mais afetado, trazem consigo perspetivas favoráveis à propagação, tornando imperativo que se inicie de imediato um programa de prevenção que terá forçosamente de incluir o único método provado cientificamente e disponível a um africano – o preservativo.
  Se tal não acontecer Bento
XVI arrisca-se a sentenciar aquela região que em breve será a sua base.