Os Piratas Voltaram a Atacar

julho2009

 
Não é só na costa da Somália que a pirataria voltou a entrar na moda. Outro tipo de piratas tem cativado a atenção dos média nos últimos tempos. Agora que chegaram ao parlamento europeu, está na altura de perceber detalhadamente o que é isto da pirataria na Internet. 

    Christian Engstrom é o nome do euro deputado mais badalado do momento, isto antes de sequer entrar na assembleia em Estrasburgo.
    Dia 7 de Junho aconteceu aquilo que poucos analistas se atreveram a prever. O Partido Pirata sueco, que defende o direito à livre troca de conteúdo digital e se opõem à regulamentação da internet, elegeu pelo menos 1 deputado para o parlamento europeu. O número pode mesmo aumentar se o tratado de Lisboa for rectificado em breve pelos irlandeses.
    A eleição não poderia ter ocorrido numa altura mais pertinente. 
    Desde o início do ano que a pirataria na Internet está na ordem do dia, com uma série de acontecimentos que muita tinta já fizeram escorrer.    A 18 Junho ficou conhecida a sentença do primeiro processo de downloads ilegais nos Estados Unidos. Dos mais de 30 mil processos apresentados em tribunal, o de Jamie Thomas-Rasset, uma jovem de 32 anos, foi o único a ser apresentado em frente a um juiz. Acusada pela Associação Discográfica da América (ADA) de descarregar ilegalmente 1700 músicas, o caso fora arquivado meses antes por falta de provas. Reaberto o processo, foi desta vez condenada a pagar 1.9 milhões de dólares, por 24 downloads de músicas de artistas como os Green Day e Sheryl Crow. 
   “É completamente impossível que eles algum dia recebam este dinheiro. Sou uma mãe com recursos limitados, por isso não me vou preocupar muito com este problema”, disse Thomas-Rasset à saída da sala de audiências.
    O caso marca um precedente importante. Até à data fora impossível levar em frente processos-crime contra a pirataria na Internet. A maioria dos casos ou eram recusados pelos tribunais ou resolvidos com o pagamento de multas que rondam os 1500 euros.  
   Dia 24 de Junho o tema voltou às primeiras páginas dos jornais, quando foi noticiado que a polícia de Hong Kong prendera um homem de 34 anos que se notabilizou por piratear jogos de computador e distribui-los pelo mundo inteiro. Espera-se que o processo entre em tribunal muito em breve, já que as autoridades chinesas deixaram claro que o caso era prioritário. 
   Mas sem dúvida que o evento mais significativo foi em Abril passado quando os suecos Fredrik Neij, Gottfrid Svartholm e Peter Sunde, fundadores do The Pirate Bay (TPB), um site que arquiva ficheiros de torrents, foram condenados a 1 ano de prisão e ao pagamento de 2.7 milhões de euros a uma série de editoras discográficas e estúdios de cinema, por violação de direitos de autor. Foi de imediato apresentado um recurso. “Não pretendo pagar nem um tostão muito menos passar uma só noite na cadeia”, disse Neij em conferência de imprensa.   
  O caso foi de tal maneira mediático que os 3 jovens se tornaram ícones e ídolos da juventude sueca. Igualmente significativo, o processo deu origem à formação do primeiro Partido Pirata.  
   O efeito foi desastroso. Depois de lida a sentença o partido foi de 14.700 membros a 46.200, isto em menos de um mês, alcançando grande apoio dentro das camadas mais jovens da sociedade sueca, e culminando na eleição de Engstrom.  
   Ainda antes das eleições Rick Falkvinge, líder do Partido Pirata sueco, disse, “O sistema e os políticos declararam guerra à nossa geração. Os nossos políticos são ignorantes do universo digital. Precisamos de políticos que não se deixem intimidar por potências estrangeiras.” 
   Quando questionado sobre os objectivos finais do partido, Engstrom disse, “O plano é a Suécia, depois a Europa e depois o mundo”.  Acrescentou, “A globalização cultural tem tanto de positivo como de negativo. Se o controlo da informação foi uma arma no século XX, neste temos a oportunidade de a distribuir livremente, sem restrições e sem criminalizar quem o faz. Não podemos resignar-nos aos argumentos das indústrias culturais. Em todas as décadas as evoluções tecnológicas originaram mudanças que aparentavam ser o fim da produção cultural. O resultado é sempre o mesmo. Quem se adapta prospera, quem é incapaz de perceber que o modelo em que trabalha faz parte do passado desaparece”.  
   O fenómeno quase parece uma brincadeira, mas no fundo da questão residem elementos essenciais que passam pela liberdade de informação, a legitimidade do estado em impor limites ao acesso à Internet e a sobrevivência das indústrias culturais. 
   Há muito que a indústria fonográfica tem vindo a fazer pressão perto de vários governos para impor restrições e acabar de vez com a pirataria digital, já que as vendas de álbuns e dvds tem vindo a descer vertiginosamente. Só na França a venda de DVDs caiu 60% nos últimos 6 anos. A queda nas vendas de CDs não fica muito abaixo desse número.
   A situação deu origem a uma pequena crise política em França. Com o total apoio de Sarkozy, a Ministra da Cultura francesa, Christine Albanel, redigiu a chamada lei “Hadopi”. A lei propõe que se depois de enviados 3 avisos, a consumidores que trocarem material pirateado, e estes persistirem em violar a lei, a ligação à Internet será cortada durante um período de 1 ano. Embora tenha sido aprovada pelo parlamento não demorou muito tempo até que a lei fosse disputada nos tribunais. 
   O ponto mais controverso é a forma como a lei será aplicada. Segundo o mesmo documento, será criada uma entidade especial que regulara a forma de aplicação das penas. Segundo elementos do Partido Socialista, apenas os tribunais têm legitimidade para o fazer. O tribunal constitucional francês concordou e declarou a lei anti-constitucional, sob o argumento de que o acesso à informação é um direito elementar.     Como se isso não fosse suficiente, uma série de especialistas vieram a público denunciar a lei, argumentando que a sua aplicação seria uma violação da legislação comunitária.     Neste momento a lei está suspensa e o governo de Sarkozy vive momentos difíceis, com críticas e ataques a chegarem de todos os cantos do planeta.      
   “Temos de ter muito cuidado quando interferimos com a liberdade de acesso à informação. É um direito democrático que ninguém devia ser impedido de desfrutar”, disse Wolfgang Zankl, presidente do Centro Europeu para o Comercio na Internet.    
   A questão é problemática.  Por todo o mundo as indústrias criativas enfrentam uma grave crise. Se Hollywood e Bollywood (indústria cinematográfica indiana) têm recursos para superar o problema e encontrar alternativas para expandir os seus investimentos, o mesmo não se pode dizer de outras mais vulneráveis.   
   A indústria cinematográfica nigeriana é um bom exemplo.  Embora quase totalmente desconhecida para a maioria das audiências ocidentais, Nollywood, como é chamada, é a segunda maior indústria de cinema do planeta. Só em 2006 foram produzidos 872 filmes na Nigéria (no mesmo período Hollywood produziu 485 passando para o terceiro lugar na tabela encabeçada pela indústria Indiana).    É uma indústria gigantesca que emprega milhares de pessoas em todo o continente africano. 
   Ironicamente, a Nigéria tem um défice enorme de salas de cinema, o que obriga a que cerca de 90% dos filmes, segundo o centro de estatísticas culturais da UNESCO, sejam distribuídos em DVD ou em formato digital.    
   Nos últimos anos as receitas desceram mais de 50% devido à prática da pirataria, seja ela em formato físico ou digital.  
  “A pirataria representa um duro golpe a toda a indústria”, diz Emmanuel Isikaku, um dos mais famosos produtores de Nollywood. “Por exemplo, não consegui fazer nada com o meu último filme, Plane Crash. Por causa da pirataria nem sequer consegui equilibrar as contas. Milhares de pessoas viram o filme, foi um sucesso estrondoso, mas infelizmente a maioria viu a versão pirateada”, acrescentou.   
   Aquela que era a indústria mais vibrante do planeta, caracterizada por produções de baixos orçamentos que misturam velhas lendas africanas com romances urbanos, está numa fase de declínio que aparenta ser irreversível.   
   Por um lado é essencial preservar o direito à liberdade de troca de informação. A ideia de transformar a Internet na maior biblioteca da história é de facto aliciante. Mas é igualmente importante criar as condições para apoiar aqueles que mais sofrem com o cumprimento dos direitos dos outros.     Em tom irónico, Isikaku disse, “Os piratas têm conseguido impedir-nos de trabalhar mais arduamente porque nós já não recebemos o que devíamos receber. Mas enquanto houver paixão pelo cinema a esperança de que isto um dia  melhorará será a última a morrer”.