Uma morte muito POP

Junho2009

  Junho de 2009 foi um mês repleto daquelas notícias que deixam um editor com um grande e perverso sorriso nos lábios.
  Caíram 2 aviões; houve eleições na Europa; o Irão implodiu; golpe de estado nas Honduras; publicadas fotos escaldantes de Berlusconi e as suas “meninas”; etc. 
  Mas bastou que Michael Jackson morresse para que tudo o resto se tornasse obsoleto.
  Editoriais pelo mundo fora foram dedicados à morte de um cantor de quem já há muito não se ouvia falar...bem.
  A Rumores não se atreve a ser excepção. 
  Aquele dramático e inevitável titulo, “Morreu o rei do Pop”, foi repetido vezes sem conta, por toda a parte, em todas as primeiras páginas. Foram publicadas edições especiais, documentários, entrevistas em directo, enfim, a morte do “Rei teve direito a tudo.     Mas houve um argumento que não ouvi nem li em parte nenhuma.   
  Rei? 
  Confesso que tenho dificuldade em chamar de “Rei” a um cantor que não lançava um álbum há décadas e que só aparecia nos jornais quando o acusavam de pedofilia. 
  Penso que foi Arnold Bennet, jornalista e romancista do início do século XX, que disse, “Os jornalistas repetem algo que sabem perfeitamente que não é verdade, na esperança de que se o disserem vezes suficientes, se torne realidade”. 
  Tanto repetiram “Morreu o Rei do Pop”, que até a mim me convenceram.   
  A morte é sempre trágica. Principalmente quando se fale de alguém que repetidamente apelava à paz, ao amor, à tolerância e a todo um conjunto de valiosos sentimentos que muita falta nos fazem nos dias que passam.  
   Mas não terá sido a sua carreira bastante mais trágica?   
   Ao fazer uma rápida pesquisa na Internet encontrei um artigo, escrito em meados da década de 80, e de novo publicado no diário inglês The Guardian, em que o jornalista, cujo nome agora não me recordo, descrevia MJ como uma vitima da brutalidade da indústria discográfica. O artigo descrevia detalhadamente todo o processo que foi pegar numa criança de 6 anos e transforma-la numa máquina de fazer dinheiro, como nunca antes tinha sido feito.
  Foi deveras pertinente republicar esse artigo, mas foi também caso raro. 
  A maioria das publicações preferiram concentrar-se nos sucessos comerciais, no excessivo estilo de vida, nas diversas acusações de abuso sexual, ignorando à partida o facto de que MJ não era um ser humano comum, mas sim um produto.   
  A morte será sem dúvida um fantástico golpe de marketing, e preparem-se, pois as muitas compilações do seu trabalho e o inevitável bio-filme de Hollywood não demorarão.   
   Talvez Hunter S. Thompson, o grande doutor de jornalismo, o tenha exposto melhor quando escreveu, “A indústria da música é uma trincheira cruel de dinheiro, um longo corredor de plástico onde ladrões e chulos vivem em liberdade, e boa gente morre como cães. Mas também tem o seu lado negativo”.   

    Para que serve a morte de um Rei fictício se não podemos ser cínicos? 
    

Palco Europa
30/05/2009

No sábado passado a península foi presenteada com uma imagem inesquecível.
Sócrates e Zapatero de mãos dadas a apelar, em coro, ao voto socialista nas eleições europeias que se avizinham.
A foto era bonita sem dúvida, carregada de sorrisos, abraços e confetis.
Por momentos quase me convenceu de que fazia sentido. Os primeiros-ministros de Portugal e Espanha juntos, num só palco, falando numa só língua e para um só povo. Não o povo Ibérico, mas sim o povo europeu.
Enfim, algo semelhante ao que os franceses e alemães poderão ter sentido antes de Merkel exigir que Sarkozy deixasse de lhe tocar em público.
A ilusão durou pouco.
Assim que Zapatero aterrou em Portugal e começou a falar espanhol, sem fazer grande esforço para soltar, aqui ou ali, um sotaque “aportuguesado”, o europeísmo que se instaurara umas horas antes em Madrid desmoronou-se.
A campanha para as europeias em Portugal parece não ter lugar para esta fantasia.
Fala-se de tudo e mais alguma coisa, menos da Europa.
Vão-se esboçando umas ideias sobre o tratado de Lisboa, mas ao menor sinal da palavra profana, “referendo”, muda-se de conversa.
Vão-se soltando umas frases sobre a continuidade de Barroso na liderança da comissão sem que se faça, no entanto, qualquer esforço de comparação entre o que era a comissão antes do português assumir o cargo e o que é agora.
Vão-se ensaiando soluções para lidar com as ameaças de Medvedev sem que se tente interpretar o complexo puzzle geopolítico da região.
Nos debates e comícios de campanha não se ouviu falar da Europa que todos nós desconhecemos e de que devíamos procurar saber mais.
       Por exemplo, não ouvi os candidatos a falar sobre os 18 deputados “virtuais” que serão eleitos para lugares, igualmente “virtuais”, até que o tratado de Lisboa seja rectificado, quer os Irlandeses queiram quer não. Também não ouvi qualquer comentário sobre a crise de identidade que o estado belga enfrenta; sobre um Chipre ainda dividido em dois; ou sobre os governos remendados à espera de eleições antecipadas na Republica checa, Hungria e Letónia.


      Muito menos ouvi qualquer explicação sóbria sobre a impossibilidade de fazer eleições simultâneas em Portugal, poupando assim uns imprescindíveis milhares de euros, ainda que na próxima semana haja actos eleitorais em simultâneo na Irlanda, Alemanha, Bélgica, Malta, Dinamarca, Reino Unido e Luxemburgo.

        Ouvem-se rumores sobre isto e sobre aquilo, mas informação a sério nem vê-la

        Sendo assim, há falta de melhor, fazemos aqui eco sobre esses e outros Rumores.


  Cimeira histórica sabe a pouco, muito pouco
03/04/09

  Dois dias de intensas negociações resultaram num surpreendente consenso entre os líderes dos 20 países, que por si só, representam 85% da economia global. Se houve algumas vitórias, na maioria são inconclusivas.

  No editorial de hoje do New York Times lê-se, “Em tempos normais não esperamos muito das cimeiras. Mas com a economia global a implodir...(os lideres do g20) tinham a responsabilidade de encontrar medidas concretas para concertar o sistema financeiro global e reinstaurar o crescimento económico. Não fizeram o suficiente.”, Concluindo no final, “Para sairmos da crise será necessário muito mais do que foi conquistado em Londres”.
De concreto os 20 líderes concordaram em financiar o Fundo Monetário Internacional com mais 750 mil milhões de dólares, de forma a apoiar países em dificuldades. Outros 250 mil milhões serão distribuídos para estimular o comércio internacional e combater o protecionismo
Mas o mais importante terá sido a posição em relação ao novo método de regulamentação das instituições financeiras, e em particular, a tentativa de acabar com os paraísos fiscais.
Já antes da cimeira tinham sido levantadas pertinentes questões em relação a esses “paraísos”, o que resultou numa avalanche de declarações por parte de estados como o Mónaco, Liechtenstein, Suíça e Singapura, mostrando sinais de uma mudança de posição em relação ao secretismo bancário. Até as ilhas Caimão, o pai de todos os paraísos fiscais, mostrou-se disponível para uma abordagem mais transparente.
  Através da OCDE, todos os paraísos fiscais que não partilharem informação serão, a partir de agora, apontados numa lista pública e pressionados a faze-lo. Se a medida é suficiente, só o tempo o dirá, mas sem dúvida que o passo é louvável, e um importante progresso para travar a fuga de enormes riquezas.
No entanto, é importante salientar que a indústria de evasão de impostos foi praticamente ignorada nas negociações.
  Igualmente relevante é mencionar que a reforma do sistema financeiro é uma medida direcionada para crises futuras e que terá pouco impacto na crise decorrente.
Quanto aos novos fundos disponíveis a questão é mais confusa.
Dos 250 mil milhões de dólares, apresentados no comunicado final da cimeira para estimular o comércio mundial, a maior parte vem de programas já existentes, especialmente de programas que garantem exportações de países ricos.
  O FMI renasceu nesta cimeira, assumindo agora o papel de comandante na luta contra a crise. Mas tal acontece sem que se discuta qualquer tipo de reforma dentro da instituição. Ficamos sem saber com que condições o FMI vai distribuir os empréstimos.
  Tendo em conta o papel do FMI em crises no passado recente, a proposta levanta serias perguntas.
  Por exemplo, durante a crise económica do sudoeste asiático, em 1997, a ação do FMI, com empréstimos com juros altíssimos e acordos carregados de imposições e restruturações das economias locais, teve um impacto desastroso. Muitos analistas acreditam mesmo que esse terá sido a raiz dos desequilíbrios comerciais que deram origem à explosão de crédito que se iniciou em 2004.
  As medidas mais recentes da instituição não oferecem grandes garantias de que o método terá mudado.
Graham Turner, escreveu no
Guardian de hoje, “Julgando pelas inacreditáveis ajudas financeiras lançadas pelo FMI desde o ano passado nada mudou desde 1997. Continua a ser uma regra para o ocidente e outra para o resto.”
De fora da mesa das negociações ficou também qualquer discussão sobre o desalinhamento das moedas. Com a libra e o dólar a descer vertiginosamente esse é um fator que preocupa muitos líderes mundiais.
 
Ann Pettifor, analista politica inglesa, escreveu hoje no Independent, “Não precisamos de levar este comunicado muito a sério. Porquê? Porque pedir ao G20 para resolver o problema financeiro é contra intuitivo...eles é que foram responsáveis pelo colapso. Eles não estão armados com a visão, teoria económica e as ferramentas adequadas.”
  É um comentário duro mas não menos pertinente. É também um eco da mensagem dos milhares de manifestantes que se concentraram no centro de Londres.
  Esperar muito destas cimeiras será sempre um erro. Mas tendo em conta as dimensões da crise e as esperanças do eleitorado que elegeu estes 20 líderes, e dos outros também, a resposta é deveras limitada.
  Será só o início, mas o mundo esperava muito, mas muito mais.