Entrevista com fundador anónimo do Partido Pirata Português

Julho 2009

    Por todo o mundo a repressão contra a pirataria tem gerado o efeito oposto. Pelo  planeta fora os piratas organizam-se em partidos de forma a defender o que acreditam ser os seus direitos. Portugal não é excepção.  
  O Partido Pirata Português pode ser um fenómeno recente, mas não será por isso que deixa de ter tanto fulgor como os no estrangeiro.
   
  A Rumores lançou-se no ciberespaço à procura da embarcação portuguesa e encontrou um grupo dinâmico, estruturado e pronto para sair do anonimato.
 

Como surgiu a ideia de fundar um partido pirata? 
  A ideia surgiu a um dos actuais responsáveis que em meados de 2007, ao procurar as notícias diárias encontrou uma sobre a oficialização do Partido Pirata Espanhol. De imediato, tentou informar-se sobre o mesmo e procurar uma ramificação do mesmo em Portugal, foi quando descobriu a primeira tentativa para a criação do Partido Pirata Português, na altura um simples fórum abandonado pelos membros e responsáveis desse mesmo projecto. Tentou contribuir para o crescimento do mesmo mas o esforço foi em vão e o fórum morreu pouco tempo depois do mesmo ser descoberto. Sem nunca tirar a ideia, de fazer algo que fomentasse a criação do PPP,  da cabeça. 
  Em 2009 já na faculdade, após algumas conversas com colegas, e com a colaboração dos mesmos, foi possível o nascimento de um novo movimento que visa a criação do partido.

Como respondem ao argumento de que pirataria é roubo? 
  O argumento de que a partilha ilegal de ficheiros equivale a um roubo é um argumento comum mas que cai por terra facilmente por várias razões.  O conceito original de roubar implica que a vítima de roubo perde o acesso ao que lhe foi roubado. Tal é o caso com um produto físico mas não com um produto digital em que o que se dá é uma reprodução desse mesmo produto, sendo que o original se mantém intocado. Seguindo esta premissa, para além de produtos físicos será possível roubar alguns bens intangíveis que não sejam passíveis de cópia. Um exemplo dentro do debate dos direitos de autor seria o furto dos próprios direitos previstos por lei para os autores, caso em que o autor perderia completamente tal direito que seria obtido por outro à sua revelia. Situação passível de acontecer no caso de alguém se apoderar da cópia original de uma criação e a registar como sendo sua sem que o autor consiga depois provar o contrário. Mas este não é de todo o caso em questão. 
   Este argumento por si só mostra que não se pode comparar um roubo a uma cópia. O que acontece na realidade é uma quebra de um monopólio. Alguém toma para si um direito que por convenção seria exclusivo do autor. De notar que o autor não perde de todo esse mesmo direito, apenas a expectativa de que seria o único a utilizá-lo e essa é a própria definição de monopólio.   Desta forma o argumento do roubo transforma-se numa questão de monopólio e se ele deve ou não ser assegurado pela lei.
  Existem muitos argumentos de ambos os lados. Obviamente que defendemos que esses monopólios devem ser abolidos pois são protecções especiais obtidas para um certo tipo de indústria à custa das liberdades e direitos de cada um de nós.


 
O que é que mudou com a nomeação do eurodeputado sueco?  
   A sua eleição foi certamente um marco neste movimento que existe agora a um nível internacional e que tem tido uma evolução sem precedentes, surgindo em cada vez mais países. Sobretudo, o que mudou foi a imagem que o movimento tinha, mostrando que isto é um movimento sério e com potencial, que o público sente a necessidade desta mudança, que não vamos desaparecer de repente e que pode passar ainda por um segundo eurodeputado se o Tratado de Lisboa entrar em vigor, uma grande vitória da defesa da integridade pessoal e dos direitos que nos estão consignados.   Temos apenas crescimento pela frente. Mudou também que pela primeira vez temos alguém com conhecimento e vontade de lutar pelos nossos direitos digitais no Parlamento Europeu. 
   É, sem dúvida, um pequeno grande passo para a mudança do cenário político da nossa sociedade a nível global, sendo o espelho da importância das novas tecnologias, dos jovens e do descontentamento pela situação actual.

Que alternativas acreditam estarem disponíveis às indústrias cinematográfica e discográfica para sobreviverem à onda de pirataria?  
   Existem muitas, e muitas mais estarão à espera de serem inventadas. Mas em primeiro lugar gostaríamos de esclarecer que não existe nenhuma obrigação de um povo em garantir a sobrevivência de uma determinada indústria. É importante não confundir a indústria com a produção cultural que esta realiza actualmente. A produção cultural não é colocada em causa pela pirataria, antes pelo contrário. Apenas as indústrias o são.
   Os modelos de negócio tradicionais terão obviamente de ser revistos ou mesmo abandonados pois eles encontram-se obsoletos face às novas tecnologias. O progresso tecnológico é inevitável e não pode ser travado pela lei. Como tal esta mudança irá ocorrer inexoravelmente, independentemente de se legalizar ou não a chamada pirataria. 
  O movimento dos partidos pirata pretende apenas apressar essa mudança inevitável e libertar o povo da opressão e criminalização actual.   
  Podemos apresentar alguns exemplos de possíveis alternativas mas não consideramos nossa responsabilidade resolver os problemas das indústrias em causa. Como exemplo deixamos então todo e qualquer modelo cuja primeira publicação do produto seja feito apenas mediante um pagamento inicial. Este é o chamado "Street Performer Protocol".  
  Outras soluções alternativas serão baseadas na adição de valor acrescentado ao produto físico que não pode ser copiado como artigos de coleccionador, caixas especiais, edições limitadas, etc. A venda de t-shirts e outra merchandising é já uma fonte importante de receitas para muitos músicos que não passa normalmente pelas editoras. 
   Na música os concertos ao vivo estão a tornar-se cada vez mais importantes e este será sem dúvida a tendência a seguir no futuro. Finalmente, e de uma forma geral, a tendência geral terá de ser na passagem da ênfase na venda do produto físico para a de um serviço. Quem se conseguir adaptar irá continuar a prosperar. Quem não conseguir irá desaparecer segundo as leis de um mercado livre.

A pirataria em Portugal é um fenómeno a larga escala, ou apenas um pequeno sub mundo? 
  É sem dúvida um fenómeno a larga escala. Todos os números assim o apontam. Portugal tem sido muito inovador na adopção de novas tecnologias quando comparado com outros países e apesar da sua imagem conservadora. Tem ficado fora das atenções internacionais na guerra contra a pirataria sobretudo devido à nossa pequena população e tamanho de mercado mas isso está a diminuir com o tempo e a pressão apenas irá aumentar. 
   Não representamos um pequeno sub mundo mas toda uma geração.